quinta-feira, 30 de junho de 2011

Tragédia argentina



Das dores que sofre um homem na vida, são particularmente intensas aquelas causadas pelo time do coração. Quem não sofreu uma derrota daquelas em que a gente passa dias e dias sem se conformar? O que dizer, então, de uma desclassificação. Ou da derrota em final de campeonato!

Porém, dessas dores ludopédicas, nada se compara à de um rebaixamento. Falo com propriedade, já que a sofri há poucos anos. Em 2007, para ser mais preciso, quando “meu” Corinthians passou pelo vexame do descenso no certame nacional. Assisti a toda aquela fatídica partida contra o Grêmio sentado no chão da sala, com a televisão sem volume. Na verdade, não assistia ao jogo, mas rezava. Ou, talvez, observava aquela movimentação de jogadores como quem vê um moribundo na cama, à beira da morte, implorando para que o quadro crítico seja revertido. Em vão...

Quando o árbitro apita o final da partida, também encerra a esperança e abala profundamente o orgulho atrelado àquela camisa e àquele escudo. Emerge ali uma sensação amarga de incredulidade, de impotência, de indignidade, de vergonha e, ao mesmo tempo, de raiva. Os gritos e xingamentos durante a partida dão lugar às lágrimas e, depois, à revolta. Não são incomuns as reações violentas como as observadas no Couto Pereira, em Curitiba, em 2009, ou como as que acometeram Buenos Aires, domingo passado, após a queda do tradicionalíssimo River Plate, equipe da preferência de 18 milhões de argentinos e dono de 33 canecos nacionais, 2 Libertadores e um mundial interclubes.

Apesar das aparências, em que pese a frieza do juízo gerado pelas imagens incontestes, toda aquela revolta quiçá não se deva a simples vândalos, como vociferam os racionais comentaristas de ocasião, mas a seres humanos, demasiado humanos. Afinal, futebol, acima de tudo, é paixão; para os argentinos, em especial, alguns níveis acima do padrão médio de passionalidade, é mais uma fonte de tragédia!

Óbvio, não justifico a violência e os atos de vandalismo. Sim, têm que ser punidos os responsáveis, doa a quem doer, sem a desculpa de que agiram sob “forte emoção”. Por outro lado, não deixo de tentar entender o fenômeno: o futebol não é mero jogo, mas paixão; não se trata de um confronto de “peças” movidas sob a lógica de planos táticos, mas de homens que representam uma camisa e uma história, inspiradoras de orgulho em milhões de fiéis apaixonados.

Aos hermanos torcedores do grande clube de Nuñez, vai aqui uma dica de quem já sofreu essa experiência e sua peculiar dor: ao fim e ao cabo, sejam otimistas. Sim, até porque há razões para sê-lo. Nada melhor que o dia seguinte e a busca por sair do fundo do poço para que se reavive o brio e o amor ao time. O orgulho ferido é uma grande força para que se façam revoluções. E o rebaixamento é uma clara evidência de que certa revolução clubística é necessária. Prova disso é que, via de regra, os clubes que passaram por semelhante vexame, lotaram seus estádios no decorrer na campanha na segundona, viram seus torcedores renovarem seu amor ao escudo – aliás, não há momento mais apropriado para que o torcedor queira mostrar sua paixão pelo clube do que na luta pela volta à primeira divisão –, e conseguiram o ascenso logo em seguida. Que o digam, além do Timão, outros grandes brasileiros como o Atlético Mineiro, o Coritiba, o Grêmio, o Palmeiras, o Botafogo, o Bahia, o Fluminense.

Se isso ocorre na terra de Garrincha e Pelé, também deve acontecer no país de Messi e Maradona.

Por João Quirino

domingo, 26 de junho de 2011

Dois meninos


O ano: 1950. O menino brincava enquanto o pai ouvia o rádio com máxima atenção. O pai, jogador de futebol profissional, dissera ao garoto que aquela era a mais importante partida da história do país. Uma final de Copa do Mundo disputada no Brasil, em que a seleção nacional, com seu glorioso uniforme branco, disputaria, favorita, a taça contra a celeste uruguaia. O menino, vendo a seriedade no semblante do pai, compreendia, na sua forma de criança, o quão relevante era aquele jogo de bola para os adultos; para seu pai, em especial. Apesar de continuar brincando, não deixava de atentar para as reações e humores do velho por um segundo sequer. Assim, sorriu quando o pai comemorou o gol da seleção, ficou apreensivo quando ocorreu o empate e arrasado quando um tal de Ghiggia marcou o tento da virada. Só não chorou como o pai, que foi às lágrimas quando o jogo acabou e o Brasil, apesar do favoritismo, de ter Zizinho e de jogar em casa, perdeu um Mundial que todos davam como ganho. Com um sorriso envergonhado, o menino se aproximou do pai e disse, amoroso:

- Não liga não, pai. Quando eu crescer, ganho um desse pro senhor.

Quando o Uruguai bateu o Brasil naquela final de Copa, o tal menino tinha apenas nove anos de idade. Oito anos depois, aos dezessete, participou da campanha brasileira na Suécia, quando nossa seleção, jogando ora de amarelo, ora de azul, conquistou seu primeiro título mundial. A partir de então, o Brasil tornou-se o maior vencedor de mundiais e o status de país do futebol; o tal menino tornou-se o rei desse esporte. E o Santos, o time que o revelou, até hoje é conhecido como o mais completo e vencedor clube enquanto Pelé desfilou seu imenso talento pelos gramados do país e do mundo:

O ano: 2003. O mesmo Santos, pela primeira vez após a despedida do seu maior astro, disputava uma final de Libertadores. Com o rei, conquistara dois títulos; o primeiro contra o Boca Juniors, da Argentina, e o segundo, contra o Peñarol, do Uruguai. Mas isso ocorrera há quase quarenta anos. Desta vez, o adversário era novamente o Boca, o mesmo da primeira conquista. Outros meninos brilhantes haviam surgido na Vila famosa, a confiança era total. Não obstante, os argentinos tinham vencido o primeiro jogo, lá, por dois a zero. Nada que não pudesse ser revertido na finalíssima, em casa. Entre tantos torcedores, um homem assistia à partida pela televisão, enquanto o filho de onze anos brincava ao lado. Sim, brincava, mas não deixava de observar a peleja, nem de reparar nas reações e humores do pai. Quando a partida acabou, percebeu que a derrota por três a um para os argentinos, com Robinho e tudo, arrancara, além de alguns xingamentos, uma lágrima do pai. E, docemente, tentou consolá-lo:

- Não liga não, pai. Quando eu crescer, ganho um desse pro senhor.

O pai sorriu, apesar da dor da derrota. Notara a semelhança com a história do outro menino. Só não podia imaginar que o consolo do filho não era mera coincidência, mas o destino novamente escrito pela boca e pelo talento de outro menino, o seu Junior. Oito anos depois, o Santos disputa novamente uma final de Libertadores, contra o Peñarol – sim, o mesmo do segundo título da América –, e ergue a taça pela terceira vez. Melhor: pela primeira, após a despedida do seu menino-rei dos gramados. Agora, o Junior é o novo menino-rei.

Eis as histórias de dois meninos que reverteram a história. Que, de certa forma, nos redimiram. De uma final melancólica, de derrota, reescreveram outra, vitoriosa, campeã. A história do menino Pelé ocorreu de verdade. Já a do menino Neymar... bem, nada há que prove a existência dos fatos relatados, pelo menos até a vitória contra os uruguaios, absolutamente verdadeira. E é isso o que importa: é verdade que esses meninos cresceram, viraram reis e trouxeram – e continuam trazendo –, com seu talento inigualável de tratar a bola, tantas alegrias e taças. E também é verdade que esses meninos nasceram e nascerão de tempos em tempos neste país. Meninos de favelas, de campinhos de várzea, de escolinhas. Meninos da Vila. Meninos do Brasil.

Por João Quirino