terça-feira, 22 de março de 2011

Boquinha, eu quero uma pra viver

Na década de 1980, Cazuza cantava: “ideologia, eu quero uma pra viver”. Naquela época fazia sentido. A guerra fria agonizava, mas ainda estava lá. Com ela, as oposições entre capitalismo e socialismo, conservadorismo e progressismo, esquerda e direita. Sem clivagens, sem nuances, tudo bem maniqueísta, pão, pão, queijo, queijo.
Acabou-se a guerra fria, veio a redemocratização, a estabilidade econômica, o crescimento, a ascensão da classe C e do Brasil no mundo. Ao longo desse percurso, consolidou-se a tese de que a governabilidade e as reformas de Estado (leia-se: reformas constitucionais) impunham amplas coalizões eleitorais e de governo. E pau nas ideologias! A começar pela união improvável entre PSDB e PFL, que começou conjuntural e se tornou umbilical. Com o PT, vieram as alianças não menos improváveis, mas – assim o dizem – necessárias, com certa massa fisiológica que embute de tudo um pouco: do PC do B ao PP de Maluf, de Sarney e Collor a comunistas históricos. É claro que houve deserções ao longo da conformação de PSDB e PT como protagonistas do novo bipartidarismo. Também, pudera: o primeiro, social-democrata no nome, tornou-se liberal-conservador, enquanto o outro, socialista no papel, fez-se social-democrata na prática. De mais a mais, afora uma discussão ou outra sobre mais Estado aqui ou menos Estado acolá, quanto ao “resto”, estamos todos mais ou menos de acordo.
Mas a tal tese da coalizão ampla fez escola também nas “bases”, a tal massa fisiológica. Todos querem ser governo. Especialmente porque os governos estão em alta. E governo bem sucedido tende a fazer sucessor. Que o digam FHC com sua bandeira da estabilidade econômica e Lula com a do crescimento inclusivo.
Se Cazuza cantava a ideologia, hoje, quase todos os partidos tendem a cantar: “boquinha, eu quero uma pra viver”. O prefeito paulistano Gilberto Kassab acaba de fundar o PSD (ah, quem te viu, quem te vê, PSD!), que, talvez, será futuramente incorporado pelo PSB. Sim, como o ex-presidente da FIESP Paulo Skaf, Kassab também quer ser “socialista”. E se Erundina estiver incomodada (ah, o apego a essa bobagem do passado chamada ideologia), que se mude. Da mesma forma que Marina Silva, pedra no sapato de Jorge Luiz de França Penna, presidente do PV paulista, na sua tentativa de ser governo com Alckmin e, ao mesmo tempo, com Dilma. Eis o lema predominante: se há governo, estou dentro! Afinal, para que servem os partidos, senão para abocanhar um carguinho, uma verbinha?! Abaixo as ideologias! Abaixo a oposição!
Entretanto, talvez seja o momento dos chefes de executivo ponderarem: qual o custo de tão ampla coalizão? Até quando haverá boquinha para agradar tanta gente? E, principalmente: neste momento, as teses da governabilidade e das reformas ainda são válidas?   
Por João Quirino

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